FOI-SE O MARTELO

FOI-SE O MARTELO.

A foice e o martelo são os símbolos mais utilizados para representar o movimento socialista e comunista, disseminado principalmente por personalidades como Karl Marx, Friedrich Engels e Vladimir Lênin.

O símbolo da foice e do martelo foi criado durante a Revolução Russa, em 1918, quando os trabalhadores russos, liderados por Lênin, acreditavam que só seria possível a vitória do socialismo com a união das forças entre os camponeses e os operários.

O idealizador deste símbolo foi o artista russo Evgueni Kamzolkin, em 1918, que, curiosamente, não era comunista, vinha de uma família bastante rica e era um homem muito religioso. De acordo com algumas interpretações, o símbolo da foice e do martelo teria sido baseado no símbolo da maçonaria, um cinzel e um martelo.

De forma bem específica, para a ideologia comunista, a foice seria o símbolo da força dos camponeses e o martelo dos trabalhadores industriais, assim sendo, a união da foice e do martelo representava a aliança entre os dois tipos de proletariados essenciais para que houvesse a revolução do socialismo e, consequentemente, do comunismo.

Foi-se o martelo na política...

Neste campo, claramente percebemos que se foi o martelo, e já faz tempo. Dos objetivos que se pretendia alcançar com o tal símbolo, tudo ficou muito distante. No campo a foice foi-se, por falta de reforma agrária e de incentivos para a permanência do homem no campo. Nada nos atuais modelos políticos vigentes, se parece com os tais objetivos, e nada nos partidos políticos que se identificam através desses símbolos remontam qualquer um desses valores. Essa é uma triste constatação. A “politicagem” em vigor, se especializou em manobrar as “massas”, coisa típica de governos ditatoriais: “Eu sempre achei mais fácil convencer uma grande massa do que uma só pessoa”, era o jargão frequente nos lábios do ditador Benito Mussolini (01).

Juntamente com a política brasileira também foi-se o martelo, e com ele e pelo mesmo caminho, estão indo as indústrias e os milhões de trabalhadores que voltaram para a miséria causada pelo desemprego que sangra o País. Conseguiram os atuais partidos e o atual modelo político em vigor, retirar “MILHÕES” da pobreza. Retiraram “milhões” em recursos desviados, que deveriam ser diretamente empregados no combate à fome e a miséria, e depositaram em “offshores” (empresas abertas em paraísos fiscais), no mercado da lavagem de dinheiro. Mergulhado está o nosso País numa crise econômica e muitos ainda se perguntam sobre as causas da mesma. Cada dia caímos no descrédito do mercado internacional. Tudo consequência do espírito do capitalismo e sua máxima: “honestidade é útil porque traz crédito” (02). É utilitário, mas é real.

Na busca para se defender das supostas acusações de desvio de recursos públicos, partidos políticos, sem exceção, mergulham num mar sórdido de lama e mentiras sem fim. A pior das mentiras “ é a mentira dita em causa própria” (03).

Existem certas coisas que não se pode mais aproveitar. É preciso demolir, desmontar e colocar outra nova no lugar. Na poesia de Carlos Drummond de Andrade conseguimos alcançar a abrangência dessa verdade:
“Minha mão está suja. Preciso cortá-la.
Não adianta lavar. A água está podre.
Nem ensaboar. O sabão é ruim.
A mão está suja, suja há muitos anos” (04)

No País em que vivemos, na política que toleramos e praticamos, tudo pode acontecer, pois a ética de maior aceitação, que se conhece e se pratica, como bem disse Lucio Vaz: “É a chamada ética da malandragem” (05).

Foi-se o martelo no Judiciário...

E a justiça, como está vendo tudo isso? A justiça é cega! A tal venda que tem como função básica evitar privilégios na aplicação da justiça, parece não estar bem ajustada aos olhos. Pelo menos aos olhos da “justiça” aplicada por alguns tribunais bem específicos.

É na justiça que nos acusa a “consciência” mais dolorida de que “foi-se o martelo”.  Na justiça o martelo é também chamado de malhete. Na imagem do judiciário, o martelo do juiz, todo em madeira, é, juntamente com a deusa Thêmis e a balança da justiça comutativa, um dos mais fortes e conhecidos símbolos do direito e da justiça.

A origem para seu significado é controversa, alguns autores ligam-no à mitologia grega, para a qual a figura do martelo liga-se à do deus Hefesto, divindade do fogo, dos metais e da metalurgia (???), conhecido como o ferreiro divino.

Acredita-se que a batida do martelo do juiz ao prolatar a sentença, percutindo na madeira e deslocando uma massa de ar causando ruído, represente justamente a atuação da norma no mundo real e concreto. É o abstrato, a idéia, invadindo o mundo da matéria. Quando esse martelo não percute na madeira, montanhas de “injustiça” parecem desabar sobre as nossas cabeças.

Quando bate o martelo, o juiz, ao prolatar a sentença decreta que o agente praticou ato ilícito e que houve dano, determinando assim a aplicação da norma proferindo as sentenças.  A batida do martelo, logo após a prolação da sentença, representaria, então, a transformação do mundo material (pelo deslocamento de ar e o consequente ruído) causada pela norma.

Nossa triste realidade em alguns de nossos tribunais (não todos), parece “significar” apenas o deslocamento do “ar” produzido pelo impacto do martelo e nada mais. São dias de ares bastante rarefeitos no judiciário. Foi-se o martelo. Não nos serve e nunca nos servirá de nada uma “justiça aparente”. Já dizia Juscelino Kubitschek “A democracia não vive na aparência. A prática é que lhe compõe autenticidade” (06).

Nem sempre, na política, os que empunharam o martelo foram promotores da justiça. A frase histórica que foi atribuída ao Presidente Getúlio Vargas nos dá conta de que diante das circunstâncias adversas, ele era visto com porrete na mão e dizendo: “comigo é na madeira” (07). Nos deve surpreender a todos que Getúlio Vargas inaugurou a arte de tirar as meias sem descalçar os sapatos (trecho que ficará a cargo de sua livre interpretação).

No Brasil, a política partidária que tem origem nas campanhas eleitorais, acaba por se perpetuar nas estruturas do governo empossado. Por isso não se vai a lugar nenhum. Esquerda ou direita, capitalismo ou socialismo, no Brasil não se percebe diferença alguma. Parece que cada vez mais nos identificamos com a velha anedota:

“Aqui no inferno capitalista eles esfolam você vivo, depois fervem você em óleo e depois o cortam em pedacinhos com uma faca bem afiada.
- Isso é horrível, ele respira fundo. Vou para o inferno comunista!
Ele vai lá e vê uma grande fila de pessoas esperando para entrar.
Fica na fila e, quando chega sua vez na porta do inferno comunista, encontra um velhinho que se parece um pouco com Karl Marx.
- “Ainda estou no mundo livre, Karl”, diz o homem.
- Antes de entrar, quero saber como é aí dentro.
- No inferno comunista, diz Marx com impaciência, “eles esfolam você vivo, depois fervem você em óleo e depois o cortam em pedacinhos com uma faca bem afiada”.
- Mas... mas então é igual ao inferno capitalista! Reclama o visitante.
- Por que então toda essa gente na fila?
- “Bom, suspira Marx, eles têm que ficar na fila, porque sempre “falta óleo, quase nunca temos facas e panelas, e sempre falta água quente”(08).

É comum perceber que por falta de leis mais rígidas, políticos trocam de partidos com uma facilidade que impressiona, testam todos os dias os limites de atuação da justiça com destemor impressionante. Nas palavras de Merval Rosa, o político faz isso porque: “Ele sabe dos limites que a ainda imperfeita democracia brasileira impõe, mas está sempre testando-os” (09).

Foi-se o martelo na religião...

Outro martelo simbólico surgirá quando estudarmos algumas referências que se fazem ao antigo cajado utilizado pelos sacerdotes judeus e cristãos, que, quando presidindo os cultos ou reuniões públicas, o utilizavam para chamar a atenção da assembleia. Na religião, o cajado, ou “martelo”, representa o sinal de alerta, respeito e ordem para o silêncio.

Cultivando e promovendo uma religiosidade bastante “alienada” de tudo que acontece nos bastidores da política e do judiciário, o que percebemos é que o “cajado” da religião conduz somente para o aprisco e não mais para o enfrentamento das graves questões sociais. Parece uma inversão nos anseios do cristianismo: “Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal” (João 17.15). Essa foi a oração de Jesus por seus discípulos.

A religião que deveria ter grande influência como “martelo” diante da política, parece recuar ante os desafios do momento. Temos um martelo poderoso: “Porventura a minha palavra não é como o fogo, diz o Senhor, e como um martelo que esmiúça a pedra? ” (Jeremias 23.29). Um grande poder que está sendo ocultado por nossa falta de ação. É assim mesmo: “ A fé sem obras é morta”.

Charles Spurgeon em seu sermão pregado na manhã de 24 de abril de 1881, no Metropolitan Tabernacle, defendeu de forma contundente a atuação da religião na política: “Eu tenho ouvido: ‘Não traga a religião para a política’. É precisamente para este lugar que ela deveria ser trazida e colocada ali na frente de todos os homens como candelabro” (10).

Atribui-se a Martin Luther King uma frase de valor inquestionável: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons” (11). A frase é perfeita! É sob o silêncio cúmplice dos decentes que alguns dos maiores crimes acabam sendo perpetrados. O martelo que não martela é cúmplice.
Cada dia a sentença parece se firmar: foi-se o martelo! Não somente um martelo, parece que muitos martelos não martelam mais.

Há esperança? “A simples lição de todas as religiões, de todas as filosofias e da própria vida é que, embora o mal possa estar temporariamente desenfreado, o bem sempre conquistará os louros da vitória final”. (Nelson Mandela). (12). Sim! Há esperança.

Eu creio! "A crença na possibilidade de mudanças e renovação talvez seja uma das características determinantes da política e das religiões" (Nelson Mandela), (12).


Para entrar e ser parte de um processo de mudança, o Brasil precisará deixar o papel de antagonista (seja da esquerda ou da direita) e como disse Fernando Henrique Cardoso: “a sociedade assumir seu papel como protagonista” (13) de todo este processo.

Se não houver mais martelos, ainda haverá a foice. Eu creio na existência real desta foice; ela será atuante e muito eficaz no final:

14 E olhei, e eis uma nuvem branca, e assentado sobre a nuvem um semelhante ao Filho do homem, que tinha sobre a sua cabeça uma coroa de ouro, e na sua mão uma foice aguda.
15 E outro anjo saiu do templo, clamando com grande voz ao que estava assentado sobre a nuvem: Lança a tua foice, e sega; a hora de segar te é vinda, porque já a seara da terra está madura.
16 E aquele que estava assentado sobre a nuvem meteu a sua foice à terra, e a terra foi segada.
17 E saiu do templo, que está no céu, outro anjo, o qual também tinha uma foice aguda.
18 E saiu do altar outro anjo, que tinha poder sobre o fogo, e clamou com grande voz ao que tinha a foice aguda, dizendo: Lança a tua foice aguda, e vindima os cachos da vinha da terra, porque já as suas uvas estão maduras.
19 E o anjo lançou a sua foice à terra e vindimou as uvas da vinha da terra, e atirou-as no grande lagar da ira de Deus. (Apocalipse 14.14-19).

Referências.

(01) MILZA, Pierre. Mussolini. Tradução Gleuber Vieira e Alessandra Bonrruquer. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.

(02) WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Tradução José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Companhia das letras, 2004. P. 45

(03) SILVA. Juremir Machado da. Jango: a vida e a morte no exílio. 5ª edição. Porto Alegre (RS): L&PM, 2014. P. 36

(04) ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova Reunião: 23 livros de poesia. 1ª Edição. São Paulo: Companhia das letras, 2015.

(05) VAZ, Lúcio. A ética da malandragem. São Paulo: Geração Editorial, 2005. P. 228

(06) COUTO, Ronaldo Costa. O Essencial de JK: Visão e grandeza, paixão e tristeza. 1ª Edição. Brasil: Planeta, 2013. P. 230.

(07) NETO, Lira. Getúlio: dos anos de formação à conquista do poder. 1ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. P. 299.

(08) LEWIS, Ben. Foi-se o martelo: a história do comunismo contada em piadas. Trad. Márcio Luís Penteado Ferrari. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Record, 2014. p. 173.

(09) PEREIRA, Merval. O Lulismo no Poder. Rio de Janeiro: Record, 2010. P.15

(10) FERREIRA, Franklin. Contra a Idolatria do Estado: o papel do cristão na política. São Paulo: Vida Nova, 2016. P. 245.

(11) KING, Martin Luther. A autobiografia de Martin Luther King. Organizador Clay-borne Carson. Tradução Carlos Alberto Medeiros – 1ª edição. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

(12) MANDELA, Nelson. Apontamentos para o futuro: palavras de sabedoria. Tradução Nina Bandeira. Rio de Janeiro: Rocco, 2013. P. 132

(13) CARDOSO, Fernando Henrique. A Arte da Política: a história que vivi. 8ª Edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.P. 499

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